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Embora a língua seja um código de

signos orais, regidos por rigorosas re-

gras de combinação, deixa uma larga

margem de opções quando se quer

transmitir uma mensagem através dela.

Estilo é o nome que se dá à maneira pe-

culiar que alguém geralmente adota na

elaboração de seus textos. Tal peculiari-

dade se manifesta tanto

pela preferência que se

dá a certo tipo de voca-

bulário, quanto pela pre-

ferência por alguns dos

muitos mecanismos que

a língua oferece para a

organização do discurso.

Uma pessoa dada à

leitura reconhece facil-

mente a diferença entre

um texto de Machado

de Assis e outro de Graciliano Ramos. É

por isso que se registram variados gos-

tos quando se trata de escolher um li-

vro. É curioso como, às vezes, pode-se

formar uma ideia a respeito do estilo de

determinado escritor pela simples leitu-

ra de um único parágrafo. Veja, por

exemplo, este parágrafo:

Naquele lugar a guerra tinha morto

a estrada. Pelos caminhos só as hienas

se arrastavam, focinhando entre cinzas

e poeiras. A paisagem

se mestiçara de triste-

zas nunca vistas, em

cores que se pegavam

à boca. Eram cores

sujas, tão sujas que ti-

nham perdido toda a

leveza, esquecidas da

ousadia de levantar

asas pelo azul. Aqui,

o céu se tornara im-

possível. E os viventes se acostumaram

ao chão, em resignada aprendizagem

de morte.

Aí está uma amostra do estilo do es-

critor moçambicano Mia Couto, pseu-

dônimo de António Emílio Leite Couto,

nascido em 1955. O fragmento acima é

do romance

Terra sonâmbula.

A regra de ouro é que não se procu-

re copiar ou imitar o estilo de ninguém.

O estilo é próprio de cada um. Você já

se preocupou em criar o seu?

Servfoto

CRESCENTE X CRESCENDO

Nosso time vinha vindo

num crescente

. Você já de-

ve ter ouvido um técnico ou jogador de futebol usando

essa frase. É assimmesmo que se deve dizer? Claro que

dá para entender o que se pretende dizer. Mas o termo

crescente

está mal empregado aí. Como substantivo, se

relaciona às fases da lua. Sabe-se também que a meia-lua é

estandarte ou divisa dos muçulmanos. É por isso que, nos

países muçulmanos, em vez de Cruz Vermelha, se dá o nome de Crescente Ver-

melho ao movimento humanitário internacional, destinado a prevenir e aliviar o

sofrimento de todas as pessoas, sem distinção, em qualquer circunstância.

Mas é claro que o jogador de futebol não está se referindo a isso. O que aconte-

ce é que as pessoas às vezes ouvem uma expressão, não entendem bem, mas

acham-na bonita e querem usá-la. O que se pretendia dizer, na verdade, é: nosso

time vinha vindo

num crescendo

. A palavra crescendo, da linguagemmusical,

veio do italiano. Assim como existe

pianíssimo, forte, fortíssimo, adágio,

existe a

notação

crescendo

, para indicar que a orquestra ou o coral deve ir aumentado pro-

gressivamente a intensidade dos sons. Daí a palavra passou para a linguagem co-

mum com o sentido de aumento progressivo, de aumento gradual de intensidade.

Então o que se deve dizer é que “a equipe vinha num

crescendo

”.

SOBRE CRASE

Já se disse que a crase não foi fei-

ta para humilhar ninguém. Mas não

deixa de ser constrangedor encon-

trar erro de crase num jornal de

grande circulação. Vai

aqui um exemplo bem

recente de erro:

Dos 50

políticos investigados,

apenas 4 se tornaram

réus e nenhum foi

à julgamento

.

As gramáticas dão

várias regrinhas para o

correto emprego da crase. Mas há

duas regrinhas muito simples, que

não custa nada entender e aplicar:

• Não se emprega crase antes de

palavra masculina.

Então não pode haver crase em:

graças

a

Deus; ir

a

pé; obrigado

a

to-

dos; de janeiro

a

junho. Nessas ex-

pressões o

a

é apenas preposição.

Ora, como julgamento é palavra

masculina, a frase acima ficaria cor-

reta assim: “Dos 50 políticos investi-

gados, apenas 4 se tornaram réus e

nenhum foi

a julgamento

Simples, não é?

Outra regrinha preciosa sobre

crase diz que

• não se craseia o

a

antes de ver-

bo. Portanto não há crase nas ex-

pressões:

a

partir de; disposto

a

cola-

borar; chamada

a

cobrar; ela come-

çou

a

chorar.

ODILON SOARES LEME

Professor e autor de vários livros

sobre a língua portuguesa.

CIEE | Agitação

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QUESTÃO DE ESTILO