Presidente do Conselho de
Administração do CIEE/SP,
do Conselho Diretor do CIEE
Nacional e da Academia
Paulista de História
»
ANÁLISE
LUIZ GONZAGA BERTELLI
Servfoto
“A rigor, o apelo
sedutor da
Baleia Azul,
particularmente
à juventude, é
uma lavagem
cerebral
gradativa.”
34
Agitação | CIEE
ABALEIAMÁ
I
nfelizmente, a primeira epide-
mia virtual está batendo à nossa
porta, induzindo jovens ao sui-
cídio. Sua alta periculosidade
justifica o alerta algo sensacio-
nalista. Além da ameaça em si, sua
presença adverte que o espaço da in-
ternet está aberto a outras incursões
mórbidas, aliás, previsíveis, ante a pa-
tente vulnerabilidade dos jovens ex-
postos às redes sociais. A crescente
ação de pedófilos está diariamente
confirmando essa possibilidade. Re-
crutamento pelo Estado Islâmico
idem. Outras virão.
A epidemia atende pelo simpáti-
co nome de
Baleia Azul
e se camufla
sob um rol de tarefas a serem cum-
pridas, ou etapas, como são chama-
das, semelhante ao desdobramento
de uma gincana macabra. Há eventos
registrados em 11 países, entre eles o
Brasil, com citação de 10 estados. Fe-
lizmente, a grande maioria das indu-
ções foi abortada por intervenção das
famílias, face sinais suspeitos, espe-
cialmente autoagressões, durante o
processo de envolvimento caracteri-
zado por estímulos lúdicos.
A rigor, esse apelo sedutor, parti-
cularmente à juventude, é uma lava-
gem cerebral gradativa. Gente mais
idosa poderá compará-la a outra prá-
tica igualmente funesta do passado
batizada de roleta russa. Consistia em
colocar uma bala no tambor vazio de
um revólver, girá-lo ao acaso, voltar
a arma contra a cabeça e acionar o
gatilho. Se ocorresse a coincidência,
os miolos estourariam. Essa irracio-
nalidade não foi suficiente para im-
pedir que pessoas de inteligência su-
perior, como o escritor inglês Gra-
ham Greene e o ativista norte-ame-
ricano Malcolm X, tenham procura-
do o risco. Felizmente, não se incluí-
ram nos calculados 17% de vítimas
que iriam conhecer a eternidade.
Porém, a roleta russa era menos
virulenta, se é que se pode falar as-
sim, porque há uma grande distância
entre uma notícia apenas impressa
ou irradiada e a ampla disseminação
na web. Estamos falando do efeito
cascata – a imitação do procedimen-
to – que já foi reconhecido pela ciên-
cia médica e autoridades policiais de
todo o mundo. Eis a consequência
mais perturbadora da Baleia Azul.
O efeito cascata vem de longe. O
capítulo mais lendário se deu com o
livro
Os sofrimentos do jovem Wert-
her
(1774), do escritor alemão Johann
Wolfgang Goethe (1749-1832). De
início, jovens europeus passaram a
usar as calças amarelas e a jaqueta
azul do herói, que havia atirado con-
tra a cabeça face um amor infeliz.
Seguiu-se uma onda alarmante de
suicídios atribuída à obra. Significa-
tivamente, a psicanálise criou a ex-
pressão efeito Werther como sinto-
ma e desfecho de distúrbios mentais
nessa linha. O segundo episódio si-
milar foi impulsionado pelo movi-
mento do romantismo, em especial
os livros do francês François- René de
Chateaubriand (1768-1848) no sécu-
lo XIX. Em vez de suicídio, os jovens
se entregavam à mais cava depressão.
O próprio Chateaubriand deu à onda
umnome que ficou famoso, inclusive
como referência literária:
mal du siè-
cle
(mal do século, na tradução do
francês). Poeticamente soava bem,
menos para famílias angustiadas ao
ver seus rapazes se arrastando entre
a melancolia e o tédio profundos,